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Palavra Cristã

O benefício da “mortificação” na quaresma

Cresci na igreja Metodista, cujo calendário eclesiástico orientou minha infância em torno de dois polos: o Natal (e o Advento) e a Páscoa (e a quaresma). Dos dois, o Advento era a minha estação preferida: esperar por algo tendo em vista uma pilha de presentes não é assim tão difícil. E eu conseguia entender o significado da Páscoa — para além do chocolate —; porém, a longa exigência de negação e sofrimento da quaresma era muito mais difícil de aceitar.

Estes 40 dias antes da Páscoa são um período em que os cristãos se preparam para celebrar a morte e a ressurreição de Jesus. A quaresma começou, pelo que sabemos, no quarto século. É um tempo de arrependimento, de introspecção e de reflexão, e frequentemente de algum tipo de jejum, uma decisão de se abster de bens do dia a dia, para que possamos enxergar com mais precisão quem Deus, por meio de Cristo, está nos convidando a ser.

A quaresma também nos convida a recuperar a linguagem profundamente cristã da mortificação, a qual nos convida a “mortificar” certos aspectos de nossa vida, a fim de abrir espaço para que Deus faça crescer em nós a imagem de Cristo.

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Esta é uma tarefa difícil para qualquer cristão, mas talvez seja particularmente difícil para os protestantes, pois temos um histórico de ceticismo em relação a esse tipo de autonegação. Em suas Institutas da Religião Cristã, o reformador João Calvino escreveu sua célebre afirmação de que as práticas da quaresma são falsas imitações de Cristo. O famoso pregador batista Charles Spurgeon também achava inconsistente falar sobre jejum, mesmo durante a quaresma, pois Cristo já tinha ressuscitado dos mortos. “Como podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não podem fazê‑lo enquanto o noivo está com eles” (Marcos 2.19).

Quando criança, provavelmente eu teria ficado feliz com esse tipo de ceticismo, pois a quaresma me parecia um período sem sobremesas nem doces. Mas, como adulto, reconheci o benefício da autonegação. Embora eu tenha sido e esteja sendo salvo pela obra de Cristo (1Coríntios 1.18), as coisas que desejo e a maneira como as desejo muitas vezes se desviam da vida que Deus pretende que eu tenha.

Quando finalmente aceitei a quaresma e a mortificação, no entanto, eu já não era mais metodista. Eu me tornei batista, e muitos batistas não têm o costume de celebrar a quaresma; eles passam do Natal para a Páscoa sem grande pompa e circunstância.

Não estou sugerindo que os batistas escolham ativamente rejeitar as práticas da quaresma: a autodisciplina, a oração e o jejum. Mas o sofrimento não é um aspecto do cristianismo que somos inclinados a discutir, e muito menos algo que achamos necessário e que devemos propositalmente assumir. O sofrimento que discutimos tende a ser o extraordinário — as perseguições e o martírio — ou então aquele que é motivo de oração, para que Deus nos alivie — de uma enfermidade ou de alguma outra tribulação que nada fizemos para merecer.

Ambas são boas maneiras de falar sobre o sofrimento, já que dificuldades comuns, ordinárias acontecem para todos nós e as extraordinárias podem perfeitamente acontecer para alguém que está a serviço de Cristo. O interesse evangélico perene em Dietrich Bonhoeffer; o Livro dos Mártires, de John Foxe; o documentário recentemente indicado ao Oscar sobre a história dos 21 mártires coptas — tudo isso ilumina nossas mentes e nos prepara para ter coragem, caso ela seja necessária. O sofrimento pode acontecer a você, a mim ou a qualquer um de nós; é isso que nos dizem essas histórias. Portanto, devemos estar prontos.

Apesar de tudo, não acho mais que essas discussões sobre o sofrimento sejam suficientes, embora eu entenda o motivo pelo qual alguém possa pensar que são: como o sofrimento é algo incrivelmente comum, há uma certa sensação de que não precisamos falar sobre ele. O sofrimento aparece de mãos dadas com a chegada do pecado ao mundo, em Gênesis: está ali entre o homem e a mulher, entre os seres humanos e a terra. Multiplica-se entre irmãos, entre povos, em nossos próprios corpos. São as dores que vêm com a meia-idade, tanto quanto as dores que vêm — necessariamente, ainda que inesperadamente, de alguma forma — do fato de estarmos vivos e nos relacionando com os outros. Talvez não falemos mais sobre sofrimento porque todos nós o conhecemos muito bem.

No entanto, a mortificação me parece algo diferente, pois — tanto em suas formas comuns, ordinárias, quanto nas extraordinárias — grande parte do sofrimento que enfrentamos neste mundo acontece na vida das pessoas, de forma involuntária. Mas a mortificação é um sofrimento que assumimos voluntariamente.

Esses atos de jejum, oração e autonegação consciente não são (ou não deveriam ser) uma tentativa de conquistar a graça de Deus por nosso próprio esforço. A mortificação é, antes, uma resposta à graça de Deus (Romanos 8.13), uma resposta ao convite de Deus para nos unirmos a Cristo em todas as áreas de nossas vidas, para estarmos atentos às maneiras pelas quais nossa vida se torna imune e adormecida em relação a Deus. “Desperta, ó tu que dormes, levanta‑te dentre os mortos, e Cristo resplandecerá sobre ti” (Efésios 5.14).

É por isso que a mortificação é uma preparação apropriada para a Páscoa. Ela nos torna aptos a vigiar e a orar como Jesus pediu no Getsêmani (Mateus 26.41), porque assumimos o hábito de vigiar e orar, de negar nossos apetites em relação a pequenas coisas, para que possamos negá-los quando for necessário. As práticas de mortificação têm como objetivo nos tirar de nosso ritmo de vida comum e nos lembrar de que o sofrimento e a morte são profundamente comuns — e meios profundamente comuns que Deus usa para curar a surdez de nossos ouvidos e coração, para que possamos mais plenamente receber as Boas-novas que celebramos na Páscoa e nelas nos alegrar.

Nos últimos anos, não faltaram recursos cristãos oferecendo uma abordagem terapêutica ao sofrimento, propondo que o sofrimento não é algo que devemos suportar, mas algo do qual podemos escapar. Sou casado com uma terapeuta talentosa e acredito que o aconselhamento é em geral apropriado e necessário, e que as maneiras como lidamos com o sofrimento muitas vezes causam danos que não admitimos àqueles que estão ao nosso redor. Há muitos cujos sofrimentos comuns são abundantes, muitos que sangram por anos em silêncio, como a mulher que tocou a veste de Jesus, e a terapia pode ajudá-los no processo de cura. Pode ser até uma maneira de entender e experimentar melhor a graça de Deus.

Mas o lugar para a terapia são aqueles espaços em que as maneiras comuns de viver falham. O objetivo da terapia é devolver as pessoas às suas vidas com novas ferramentas e novas abordagens para viver a vida comum. Ela não tem — e de fato não pode mesmo ter — como objetivo ajudar as pessoas a escapar de sofrimentos futuros.

Quando as preocupações terapêuticas se tornam a estrutura primária para abordar a vida cristã, o sofrimento extraordinário se torna difícil de suportar, e assumir o sofrimento de forma voluntária se torna algo quase impossível de entender. O sofrimento nos encontrará em sua forma comum, pois somos criaturas que vivem um mundo no qual o pecado opera. Contudo, às vezes, como Paulo escreve, assumir o sofrimento é como melhor entendemos o amor de Deus.

Em Colossenses 1.24-26, Paulo nos encoraja com estas palavras:

Agora, alegro‑me nos meus sofrimentos por vocês e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja. Dela me tornei ministro de acordo com a responsabilidade que me foi dada por Deus, para apresentar a vocês, de modo pleno, a sua palavra, o mistério que esteve oculto durante épocas e gerações, mas que agora se manifestou a seus santos.

Nesta passagem, Paulo une seus próprios sofrimentos, os quais continuam no caminho e na missão de Jesus, com a vocação que Deus lhe deu. As aflições que ele assume, segundo ele mesmo observa, não são por escolha sua, mas em imitação ao sofrimento do próprio Cristo. Paulo não se vê como se estivesse repetindo o sofrimento de Jesus, mas como alguém que, à luz de Cristo, dá sentido ao seu próprio sofrimento. O discípulo não deve esperar uma vida mais fácil do que a de seu mestre.

O sofrimento voluntário de Paulo e a missão que ele recebeu de Deus são coisas inseparáveis. No entanto, por seu próprio testemunho, Paulo convida aqueles de nós que não assumem esta vocação extraordinária a nos questionar sobre nossos próprios chamados, a imaginar como também podemos participar da missão singular de Deus. As práticas da quaresma encontram sua plena orientação aqui, nessa nossa união à obra de Deus em Cristo, pelo poder do Espírito.

Quando aceitamos o convite para sermos discípulos de Cristo, também aceitamos um convite para viver — e sofrer — como ele. Esse sofrimento pode ser extraordinário, como o de Paulo, ou pode ser a mortificação menor que podemos escolher durante a quaresma, como sacrificar tempo precioso a fim de abrir espaço para orar de forma intencional, pular uma refeição para meditar nas Escrituras ou nos negar outros prazeres cotidianos para melhor participar da obra maior de Deus. A mortificação nos sintoniza — e sintoniza nossos hábitos e apetites — com aquilo que Deus está fazendo.

Essa maneira como Paulo formula a questão também nos lembra que as práticas de mortificação não são assumidas apenas em causa própria, como se o objetivo de jejuar, orar ou meditar nas Escrituras fosse alcançar uma excelência espiritual pessoal. Ao conectar seu próprio sofrimento ao chamado de Cristo e à igreja mais ampla, Paulo ensina que as dificuldades que decidimos enfrentar de forma voluntária, em imitação de Cristo, nós as assumimos como membros do corpo. As práticas de jejum, oração e leitura das Escrituras são melhor exercitadas em companhia de outros e, como Paulo escreve, “em favor do seu corpo, que é a igreja”.

No livro 1, capítulo 14, da obra Sobre a Doutrina Cristã, Agostinho de Hipona usa como analogia a cura de uma lesão ou doença. Às vezes, segundo ele escreve, feridas são curadas por coisas contrárias a elas, e às vezes são curadas por coisas semelhantes a elas. Às vezes, aplicamos um curativo para estancar o sangramento, mas às vezes versões amenizadas daquilo que nos aflige — uma espécie de vacina — são introduzidas, para ajudar o corpo a aprender a derrotá-las. Às vezes, o sangramento deve ser estancado, mas ninguém pode usar um curativo para sempre. Eventualmente, conclui Agostinho, o corpo deve aprender o que fazer quando a dificuldade aparecer de novo.

A mortificação é assim. Assumimos pequenas dificuldades não apenas porque o sofrimento não pode ser evitado, nem meramente para continuar a luta contra o pecado. Nós as assumimos para ficarmos mais aptos a participar da boa obra de Cristo.

Myles Werntz é autor de  From Isolation to Community: A Renewed Vision for Christian Life Together [Do Isolamento à Comunidade: Uma Visão Renovada para a Vida Cristã em Conjunto]. Ele escreve para Taking Off and Landing e leciona na Universidade Cristã de Abilene.

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