Em fevereiro de 2024, no estado de Uttar Pradesh, quando a polícia bateu na porta de um certo pastor, a primeira pergunta que lhe fizeram foi: “A que religião você pertence?”
A polícia tinha recebido denúncias de grupos hindus de extrema direita que alegavam que o pastor estava trabalhando para converter pessoas ao cristianismo, segundo ele próprio nos contou. A CT concordou em não revelar o seu verdadeiro nome para não colocar sua segurança em risco.
O pastor disse para a polícia que era cristão, e acabou sendo preso.
Quando foi levado perante o tribunal, a primeira pergunta da juíza do distrito foi a mesma feita pela polícia: “A que religião você pertence?”
“Eu sou cristão”, disse o pastor.
“Você sabe que essa resposta te levará para a prisão?”, disse ela.
O pastor permaneceu na prisão por seis meses, até ser libertado sob fiança. Acusado com base na lei anticonversão de Uttar Pradesh, ele está atualmente aguardando julgamento.
A detenção do pastor foi um dos 640 incidentes comprovados de ataques direcionados contra cristãos na Índia, em 2024, de acordo com um relatório da Evangelical Fellowship of India Religious Liberty Commission (EFIRLC) [Comissão da Comunidade Evangélica da Índia pela Liberdade Religiosa]. O número representa um crescimento de 6,5% em relação ao ano anterior. O número total de incidentes reportados à comissão, incluindo aqueles que não foram comprovados, foi de 840. Além destes, “é possível que existam muitos outros incidentes que nunca chegaram ao nosso conhecimento”, disse Vijayesh Lal, diretor nacional da EFIRLC.
Esses ataques contra cristãos assumem as mais diversas formas: agressões físicas, importunação de reuniões de oração, vandalismo em igrejas, boicotes sociais em vilas, e até prisões. O clima anticristão aumentou à medida que o nacionalismo cristão se espalhou pelo país, apoiado pelo partido governista Bharatiya Janata Party (BJP) e por grupos nacionalistas hindus influentes. Esses grupos estão cada vez mais fazendo uso de leis anticonversão para perseguir cristãos.
Outros relatórios de grupos locais e internacionais comprovam o que já tem sido constatado pela EFIRLC, afirmando que os discursos de ódio e as perseguições contra cristãos aumentaram de maneira significativa no ano passado.
Mesmo em meio a todo esse clima, o pastor de Uttar Pradesh permanece inabalável em sua fé. “Atualmente, eu preciso ser cuidadoso a respeito do lugar onde oro, das pessoas com quem falo e de como coloco a minha fé em prática”, ele disse. “Mas eu não posso abandonar as coisas nas quais creio. Muitos de nós adoramos em segredo, mas ainda assim adoramos”.
O relatório da EFIRLC categorizou a violência contra cristãos — que representam 2% da população — em diferentes tipos, com ameaças e assédios representando as formas mais comuns de violência (255 casos). Prisões vêm logo em seguida, com 129 incidentes, enquanto casos de violência física registram 76 incidentes. Outras categorias expressivas incluem casos de violência de gênero e interrupções de cultos. Em 2024, os cristãos na Índia também enfrentaram vandalismo, boicotes sociais, conversões forçadas ao hinduísmo e assassinatos.
Existem três grupos principais liderando essas perseguições, segundo revela o Índice de Perseguição Global de 2025 da Christian Concern [Preocupação Cristã]. Entre esses grupos estão: o Bharatiya Janata Party (BJP), partido político que atualmente ocupa o governo federal na Índia, bem como o governo de vários estados do país; o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), uma organização paramilitar que promove a supremacia hindu; e grupos radicais hindus que fomentaram um alto engajamento nas redes sociais através das transmissões ao vivo dos seus ataques.
Enquanto isso, o primeiro-ministro Narendra Modi permanece em eloquente silêncio a respeito da violência contra os cristãos. “Alguns de seus apoiadores […] estão fomentando esse tipo de violência”, disse Arielle Del Turco, diretora do Conselho de Estudos da Família do Center for Religious Liberty [Centro pela Liberdade Religiosa]. “Com isso, não é politicamente vantajoso para ele, como parte do movimento nacionalista hindu, manifestar-se contra os ataques”.
Em muitos casos, tudo começa com nacionalistas hindus que decidem interromper cultos e agredir cristãos para, logo em seguida, procurar a polícia e denunciar os mesmos cristãos por conversões forçadas. Por mais de 50 anos, leis de combate a conversões forçadas funcionaram primordialmente como ferramentas de intimidação, sem resultar em condenações.
Isso mudou em abril de 2024, quando a corte de um distrito no estado de Madhya Pradesh sentenciou o pastor Ramesh Ahirwar e sua mulher, Sakshi, a dois anos de prisão. Eles também foram condenados, de acordo com a lei estadual anticonversão, a pagar uma multa de 25 mil rupias indianas (cerca de R$ 1.700) cada um. Em Uttar Pradesh, outro estado, no começo de 2025, Jose e Sheeja Pappachan se tornaram os primeiros cristãos a serem condenados com base na lei estadual anticonversão. A sentença foi de cinco anos de prisão e multa de 25 mil rupias indianas para cada um.
A polícia prendeu o casal Pappachan em casa, quando estendiam roupa no varal do terraço. Apesar de nenhuma evidência ter sido apresentada, a denúncia alegava que eles estavam engajados em atividades de conversão no momento em que foram presos.
O governo de Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia, tornou mais rigorosa a sua lei anticonversão, em julho de 2024, ao permitir que qualquer pessoa denuncie um caso de conversão forçada à polícia. Anteriormente, essa denúncia só podia ser feita por quem alegasse ser alvo de tentativa de conversão forçada (ou por algum parente desse indivíduo). A lei também aumentou o tempo de punição: de dez anos para prisão perpétua. O relatório da EFIRLC mostrou que Uttar Pradesh teve 188 incidentes em 2024, o maior número do país.
Dez dos vinte e oito estados da Índia aprovaram leis anticonversão, as quais possuem tipificações dos crimes formuladas de forma tão genérica que praticamente criminalizam qualquer prática religiosa básica [que não seja o hinduísmo]. Essas leis, tipicamente criadas para impedir conversões forçadas, fraudes e aliciamento, servem de cobertura legal para campanhas organizadas de assédio.
Os estados que possuem leis anticonversão são: Odisha, Madhya Pradesh, Chhattisgarh, Gujarat, Jharkhand, Himachal Pradesh, Uttar Pradesh, Uttarakhand, Karnataka e Haryana. Todos são de maioria hindu, e oito deles são governados pelo BJP.
Mais dois outros estados estão trabalhando para promulgar suas próprias leis anticonversão: Rajasthan e Arunachal Pradesh, o qual, em obediência a uma determinação judicial, está desenvolvendo normas para implementar uma lei anticonversão de 1978, que está inativa.
Cristãos presos com base nestas leis em geral têm seu pedido de fiança negado. O ônus da prova normalmente recai sobre o acusado, fazendo com que seja praticamente impossível para ele se defender contra as provas fabricadas.
A disseminação dessas leis anticonversão têm encorajado grupos extremistas a encontrar justificativas para seus ataques contra cristãos. Uma tendência assustadora tem surgido em Chhattisdarh, um estado com uma população tribal expressiva, no qual as famílias cristãs têm sido levadas a escolher entre renunciar sua fé ou serem expulsas de sua vila. Em 2024, Chhattisgarh teve o segundo maior número de ataques, 150, de acordo com a EFIRLC.
A negação aos direitos de sepultamento também é uma tática cada vez mais comum para humilhar e pressionar as famílias cristãs. Em muitos casos, os aldeões impediram que os cristãos enterrassem seus entes queridos falecidos, ameaçando cremar seus corpos, como um ato final de Ghar Wapsi (uma reconversão forçada ao hinduísmo).
De acordo com líderes cristãos, os extremistas frequentemente revogam, de forma ilegal, o status tribal de cristãos, negando seus certificados tribais, o que afeta o acesso a cotas governamentais em empregos, educação e representação política [o status tribal
na Índia é um reconhecimento constitucional que garante representação política e ações afirmativas a etnias e grupos tribais do país, que são historicamente desfavorecidos]. Eles também confiscam propriedades e negam acesso a serviços essenciais como água, cestas básicas e assistência médica.
“O custo psicológico é imenso”, disse um pastor em Raipur, Chhattisgarh, que pediu para permanecer anônimo por questões de segurança. “Os cristãos vivem em constante medo, sabendo que a qualquer momento podem enfrentar violência ou prisão simplesmente por participarem de uma reunião de oração.”
Além disso, segundo ele observou, crianças de famílias cristãs são intimidadas e discriminadas na escola, enquanto seus pais lutam para encontrar emprego.
Apelos organizados incitando à violência [contra os cristãos] também aumentam o medo crescente. Em fevereiro, um vídeo do Chhattisgarh Christian Forum [Fórum Cristão de Chhattisgarh] (CCF) acusou o líder hindu Aadesh Soni de instruir seus seguidores a marchar para três aldeias de maioria cristã em Chhattisgarh, abusar sexualmente das mulheres e “matar todos os cristãos”. Ele alegou que os cristãos tinham matado vacas,animal sagrado para o hinduísmo. À medida que o vídeo do CCF viralizava, as pessoas condenavam o apelo genocida de Soni. Ele rapidamente negou as acusações e alegou que a conta de mídia social que havia postado a mensagem não era a dele.
Em resposta ao apelo de Soni, o ativista de direitos humanos A. C. Michael levou o caso à Comissão Nacional para Minorias, e muitos grupos cristãos escreveram ao ministro-chefe de Chhattisgarh para solicitar sua intervenção. Embora Soni tenha persistido em seu apelo para a marcha até 28 de fevereiro e esclarecido que seu grupo não se envolveria em violência, o evento foi finalmente cancelado, após intervenções de líderes cristãos locais e nacionais. Autoridades da Igreja do Norte da Índia e representantes do grupo nacionalista hindu Bajrang Dal conclamaram à harmonia entre as duas religiões.
“Essa retórica inflamada cria uma atmosfera de medo e insegurança para as minorias religiosas”, disse Lal, da EFIRLC. “Quando o discurso de ódio não é enfrentado, ele encoraja aqueles que desejam atacar os cristãos simplesmente por praticarem sua fé.”
Apesar da gravidade e da frequência desses ataques, a justiça continua sendo mera ilusão para a maioria das vítimas. Os agentes de segurança pública geralmente ficam do lado dos infratores, seja por não registrarem queixas ou por prenderem as vítimas, em vez dos agressores.
Em fevereiro, uma multidão de 200 pessoas interrompeu um culto cristão no estado do Rajastão e espancou fiéis com barras de ferro, deixando três gravemente feridos. A polícia acusou os cristãos de conversão forçada e levou o pastor e alguns outros membros da igreja para a delegacia, segundo informou a Christian Solidarity Worldwide [Solidariedade Cristã Mundial]. Eles foram liberados posteriormente, pois os agressores não conseguiram fornecer nenhuma evidência contra esses cristãos.
Apesar dos desafios, redes de igrejas e ativistas continuam a fornecer apoio aos crentes perseguidos. Organizações de assistência jurídica trabalham de forma incansável para defender cristãos falsamente acusados, e grupos de ativistas documentam abusos para aumentar a conscientização internacional sobre o problema.
“Nossa oração é para que um dia possamos praticar nossa fé sem medo”, disse o pastor de Uttar Pradesh. “A Constituição nos promete esse direito, mas a realidade é muito diferente. Ainda assim, mantemos a esperança de que as coisas mudarão, e que a Índia se lembrará de seu compromisso com a liberdade religiosa para todos os seus cidadãos.”
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